quarta-feira, 4 de março de 2015

A LEITURA E A PREGAÇÃO DA PALAVRA NA TRADIÇÃO REFORMADA

A LEITURA E A PREGAÇÃO DA PALAVRA NA TRADIÇÃO REFORMADA

Rev. João Ricardo Ferreira de França.*

            Um escritor contemporâneo diz que a “marca do culto reformado é  sua saturação das Escrituras”.[1] Ou seja, o Culto presbiteriano é eivado das Escrituras. A “adoração não deve somente ser governada pela Palavra, ela tem de estar saturada da Palavra”. [2] Isto nos leva para duas ideias importantes sobre a presença da Palavra de Deus no culto: 1) Proclamação Anagnóstica; 2) Anúncio kerygmático.

I – A PROCLAMAÇÃO ANAGNÓSTICA:


            A leitura da palavra é conhecida como proclamação anagnóstica.  O que isto significa? A palavra “anagnóstica” deriva do verbo grego “anagno,skw”[anagnoskô]  que significa “eu leio em voz alta”. Refere-se à leitura litúrgica na igreja como um ato fundamental do culto cristão. È claro que está prática a igreja cristã herdou do judaísmo conformo nos informa Lucas 4.16: “Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler.”
            Na passagem citada podemos notar a herança da sinagoga, no que respeita à proclamação anagnóstica, para a igreja cristã primitiva. Essa prática “encontramos em São Paulo a exortação a que se leiam suas cartas quando das assembléias litúrgicas”[3]. Conforme podemos comprovar na passagem de Colossenses 4.16: “E, uma vez lida esta epístola perante vós, providenciai por que seja também lida na igreja dos laodicenses; e a dos de Laodicéia, lede-a igualmente perante vós.”
            a) Lectio Continua: a pergunta que tipo de leitura deve ser lida? A primeira proposta, que tem o uso mais histórico, é a leitura continua que consiste na leitura de um livro completo das Escrituras no decorrer das celebrações litúrgicas.
            b) Lectio Selecta: consiste na seleção de passagens que escolhemos para a leitura durante o culto – isto é mais novo, e tem uma função sistemática, geralmente ligada ao tipo de pregação quer será ministrada.
            c) Quem deve ler as Escrituras na liturgia?  O nosso Catecismo Maior de Westminster nos oferece uma resposta:
156. A Palavra de Deus deve ser lida por todos?
Resposta: Embora não seja permitido a todos lerem a Palavra publicamente à congregação, contudo os homens de todas as condições têm obrigação de lê-la em particular para si mesmos e com as suas famílias; e para este fim as Santas Escrituras devem ser traduzidas das línguas originais para as línguas vulgares.

            A posição reformada que nem todos devem ler as sagradas Escrituras publicamente[4]. Isso nos leva para aquela ideia da leitura responsiva que estamos tão acostumados em nossas igrejas, é bom que saibamos que está uma prática relativamente nova e não fazia parte da tradição presbiteriana histórica.
            Em seu comentário ao Cartecismo Maior o Dr. Vos declara o seguinte:
Ler a Escritura “em público para a congregação” faz parte da condução da adoração pública de Deus e deve, portanto, ser feita apenas pelos que foram devidamente chamados para este ofício na igreja. É claro que na falta de um ministro ordenado ou licenciado os presbíteros da igreja podem indicar alguém apropriadamente para ler as Escrituras e conduzir uma reunião de oração ou reunião comunitária. O que catecismo nega é que qualquer crente em particular possa legitimamente tomar para si a condução do culto público sem que para isso seja indicado por aqueles cujo ofício é dirigir a casa de Deus.[5]

II  – ANÚNCIO KERYGMÁTICO.          

            A palavra de Deus se faz presente no culto público também por meio de sua proclamação audível. Chamamos de proclamação catequética ou anúncio kerygmático – a pregação da palavra em si.
            Não podemos falar sobre este assunto sem entendermos como a História da Igreja o encarou, ou seja, como a Igreja viu a questão da pregação fiel da palavra? No texto que lemos em  1ª Coríntios 1.18-25 Paulo valorizava a pregação oferecendo conotações dramáticas. O que é a pregação? Stott nos diz que é “a ênfase exclusiva do cristianismo” [6].
            Por onde começar a nossa peregrinação histórica da pregação? Dargan nos indica que tal procura deve ser vista no próprio cristo, pois, o “Fundador do cristianismo, pessoalmente, foi o primeiro dos seus pregadores...” [7] os evangelhos apresentam cristo como indo e “proclamando as boas-novas de Deus” (Mc. 1.14; 1.39; Mt.4.17; 4.23; 9.35).
            Somos informados pelas Escrituras que os apóstolos davam prioridade à pregação da Palavra em Atos 6.4.
            Mas, surge-nos uma questão quem deve pregar a Palavra de Deus  publicamente à congregação? O Catecismo Maior apresenta-nos uma resposta:
PERGUNTA 158: Por quem deve ser pregada a Palavra de Deus?
RESPOSTA: A Palavra de Deus deve ser pregada somente pelos que foram suficientemente dotados e devidamente aprovados e chamados para tal ofício. O Dr. Vos comentando a pergunta 158 do Catecismo Maior de Westminster lembra-nos que:
Quem não for ministro ordenado ou licenciado pode testemunhar de Cristo em particular ou em público, conforme a oportunidade o permita, mas a pregação pública oficial da Palavra na Igreja deve ser feita apenas por aqueles devidamente separados para esta obra. Claro está que a pregação da Palavra é uma obra de importância muito grande. São necessárias as qualificações apropriadas para que seja feita de maneira adequada. Há qualificações espirituais, intelectuais e educacionais sobre as quais se deve insistir para que a igreja tenha um ministério adequado. [8]

David Martyn Lloyd-Jones nos lembra algo interessante sobre este assunto:
[...] Quem deve realizar a Pregação? O primeiro princípio que gostaria de afirmar é que nem todos os crentes são destinados  a fazer isso, nem todos os homens crentes devem pregar, e de maneira alguma as mulheres! Noutras palavras, precisamos considerar o que se chama ‘pregação leiga’. Isto já vem sendo praticado de modo bastante comum há cem anos ou mais. Antes, era uma prática comparativamente rara, mas hoje é muito comum. Seria interessante examinamos a história dessa prática, mas o tempo impede de fazê-lo. Novamente, o mais interessante a ser observado é que esta mudança resultou de causas teológicas. Foi a mudança na teologia do século passado, de uma atitude reformada e calvinista para uma postura essencialmente arminiana, que provocou o aumento da pregação de leigos. A explicação dessa causa e efeito é que, em última análise, o arminianismo é não-teológico. Eis porque a maioria das denominações evangélicas  da atualidade são igualmente não-teológicas. Sendo esse o caso, não deve nos surpreender o fato de que predominem em nossos dias o ponto de vista de que a pregação está aberta a todo homem e posteriormente, a qualquer mulher. Minha asserção é que esta é uma perspectiva antibíblica sobre a pregação.[9] 
            O uso do verbo relacionado a esta função de arauto “kerussw”- keryssô – e na leitura que fazemos do Novo Testamento nós percebemos o seguinte que o uso deste verbo se aplica:
a) Apenas a Cristo ou a alguém comissionado por Deus para o ministério da pregação ( Romanos 10.15; pois, somente estes têm a autoridade divina de se apresentar publicamente para falar em nome de Deus.
b) Nos Evangelhos apenas João Batista é assim apresentado como proclamador enviado da parte de Deus(Mt 3.1: Mc. 1.4; Lc.3.3) – sendo ele um profeta do antigo pacto.
c) Jesus é apresentado como o proclamador supremo (Mt.4.17,23;9.35;11.1; Mc1.14,38,39; Lucas 4.18,19,44.8.1)
d) Os apóstolos comissionados por Jesus  (Mt.10.7,27; Mc 3.14; 6.12; 16.15,20; Lc.9.2; 12.13.).



* O autor é Ministro da Palavra pela Igreja Presbiteriana do Brasil. Formado em Teologia Reformada pelo Seminário Presbiteriano do Norte  (SPN) em Recife – PE. Foi professor de línguas bíblicas (Grego e Hebraico) no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil (SPFB) em Recife - PE. É o fundador do Centro de Estudos Presbiteriano. Atualmente é pastor da Primeira Igreja Piripiri – PI. É casado com Géssica Araújo Soares Nascimento de França. E possui um filho Chamado de Lucas Luis Nascimento de França Contatos: E-mail: jrcalvino9@hotmail.com / jrcalvino9@gmail.com
Fones:  (89) 9930-6717 [número Tim]
[1] HYDE, Daniel R. O que é um Culto Reformado? Tradução:Josafá  Vaconcelos. Recife: Editora Os puritanos / Clire, 2012 , p.15
[2] JOHNSON, Terry L. Adoração Reformada  -  A adoração que é de Acordo com as Escrituras. Tradução: Josafá Vaconcelos. Recife: Editora os Puritanos, 2001, p.40.
[3] ALLMEN, J.J. Von. O Culto Cristão Teologia e Prática. Tradução: Dírson Glênio Vergara dos Santos. São Paulo: ASTE, 2006, p. 129.

[4] O entendimento é que apenas o Ministro da Palavra [Presbítero Docente = Pastor] é quem deve fazer a leitura Pública à congregação, pois, a leitura da palavra faz parte do ministério pastoral.
[5] VOS, Johannes Geerhardus. O Catecismo Maior de Westminster Comentado. Tradução: Marcos Vasconcelos. Recife: Os Puritanos / Clire, 2007, p.499.
[6] STOTT, John. Eu Creio na Pregação, Tradução: Gordon Chown São Paulo: Vida, 2003, p.15
[7] DARGAN, E.C. History of Preaching, p.7, vol. II In: STOTT, John. Eu Creio na Pregação, São Paulo: Vida, 2003, p.17.
[8] VOS, Johannes Geerhardus. Catecismo Maior Comentado. Tradução: Marcos Vasconcelos. Recife: Editora Os Puritanos / Clire, 2007, p.508.
[9]  LLOYD-JONES, David Martyn.  Pregação e Pregadores. Tradução: João Bentes Marques. São Paulo: Editora Fiel,  2008, p.97-98

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