Os Princípios de
Interpretação ao Livro de Gênesis.
Prof. Rev. João Ricardo Ferreira de França.*
INTRODUÇÃO:
O Livro do Gênesis é um livro muito complexo para ser lido, e por vezes,
muito negligenciado pela Igreja da atualidade. Isto se deve devido há muitas
dificuldades que muito tem em considerar o Antigo Testamento.
As dificuldades estão concentradas em três áreas importantes:
Hermenêutica, Exegese e Teologia Bíblica. No que se refere à ciência da
interpretação bíblica (Hermenêutica) enfrentamos o problema do Dispensacionalismo que traz em seu bojo
interpretativo a noção de uma distinção entre Lei (Antigo Testamento ) e Graça
(Novo Testamento) e isso justifica porque boa parte dos estudos bíblicos são
concentrados no Novo Testamento.
Na esfera da Exegese as línguas
originais são completamente negligenciadas por muitos após se formarem e
passarem a pastorear as igrejas, pois, acham que conhecer o grego e o hebraico
não são importantes para a tarefa pastoral, e assim, abandonam o uso do
hebraico, por exemplo, e assim, muito da pregação e ensino no Antigo Testamento
é puramente superficial.
E o campo da Teologia Bíblica
as coisas não são diferentes, pelo contrário, são gritantes e terríveis; pois,
muitos desconhecem a mensagem unificadora dos dois testamentos e ficam
flutuando em ideias sem fundamentação bíblia a respeitos dos temas que são
discorridos nas páginas das Escrituras. .[1]
O nosso curso procurará mostrar a importância do livro do Gênesis
seguindo estas três importantes áreas para a Teologia Cristã. E assim
apresentando a relevância de Gênesis pra os nossos dias, sua atualidade e
mensagem redentiva.
I – CONSIDERANDO O NOME DO LIVRO A
SER ESTUDADO.
O que significa o nome “Gênesis”? Ora, o ser humano vive a procura de
significado para a sua vida, essa busca é uma procura por sua identidade
essência, existencial e espiritual – tudo se resume em uma única ideia: a busca
pelas origens!
“A tradição Antiga reconheceu isso quando deu o nome a Gênesis”.[2] A palavra hebraica usada é
“בְּרֵאשִׁ֖ית ”(Bereshit) que
significa “No princípio” na versão grega do Antigo Testamento, conhecida como
Septuaginta, a palavra foi vertida para “Genesij,”(Genesis).
Esse título dado já configura a primeira intenção autoral que é a de
narrar a origem de todas as coisas conforme foram trazidas a existência. O
livro do Gênesis constitui “a primeira seção da Torá ou livro da lei”[3]
II – PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS PARA
O LIVRO DO GÊNESIS.
Para entrarmos no mundo de Gênesis são necessários termos princípios
interpretativos para chegarmos à intenção autoral. Paulo Anglada nos oferece
uma definição interessante desta disciplina:
O termo hermenêutica deriva-se do verbo grego e`rmhneu,w (hermeneuo), ‘eu traduzo’, ‘interpreto’, ‘significo’ Ermhneu,w (hermeneuo), e os termos correlatos e`rmhnei,a (hermeneía) , ‘interpretação’;
diermhneu,w(diermeneuo), ‘interpreto’, ‘significo’; meqaermhneu,w / omai (methaermeneuo
ou methaermeneuomai), ‘interpreto’, ‘significo’; e`rmhneuth,j (hermeneutes), ‘intérprete’; e dusermh,neutoj (dysermeneutos), ‘de difícil interpretação’[..][4]
Outro escritor sumariza para nós
uma definição básica de hermenêutica:
em seu
significado técnico, muitas vezes se define a hermenêutica como a ciência
e arte de interpretação bíblica.
Considera-se a hermenêutica como ciência porque ela tem normas, ou regras, e
essas podem ser classificadas num sistema ordenado. É considerada como arte
porque a comunicação é flexível, e, portanto uma aplicação mecânica e rígida
das regras às vezes distorcerá o verdadeiro sentido de uma comunicação[5]
A “definição
tradicional da palavra é ‘ciência que define os princípios ou métodos para a
interpretação do significado dado por um autor especifico’”.[6]
Estamos aqui para reconhecermos estes princípios na
interpretação de um livro bíblico como Gênesis.
2.1 – O primeiro Princípio é reconhecer a natureza literária
deste livro.
Este é o passo mais importante no processo de
interpretação de um livro sagrado, pois, é deste princípio que nasce as
perguntas chaves para a penetração no sentido da intenção do autor do texto.
Que perguntas são essas?
2.1.1 - Que tipo de Literatura é o livro do Gênesis?
A bíblia é marcada pela existência de variação literária.
Alguém já disse que “ler é mais importante que estudar”, esta é de fato uma observação
passível de avaliação.
Uma leitura correta de qualquer texto
bíblico levará, antes de mais nada, a fazer algumas distinções, por vezes,
espontâneas: Estamos diante de um texto em prosa ou em poesia? Trata-se de um
relato ou de um discurso? Com isso, estamos praticando um princípio de
distinção entre Gêneros Literários. As respostas a tais perguntas nos oferecem
a orientação elementar para classificarmos o texto.[7]
Reconhecendo o gênero literário de uma passagem isso pode
nos levar uma forma de como ler o livro do Gênesis. O que é Gênero Literário? O Gênero é “um tipo de composição literária que pode
ser distinguido por aspectos como o conteúdo
de uma forma específica”[8]
Longman nos mostra que faz muita
diferença se encararmos Gênesis como “mito, parábola, história, lenda ou mesmo
uma combinação desses outros gêneros”[9]
Os
eruditos classificam Gênesis como sendo um texto pertencente a uma narrativa
histórica. Consideraremos a questão do gênero de Gênesis mais adiante em um
estudo específico.
2.1.2 – Como
os Antigos hebreus contavam a história?
Quando
nos aproximamos do texto de Gênesis sabemos que estamos lendo um texto
excepcional, pois, o narrador conhece as intenções de Deus, a intenção do
coração dos homens; e, isso é
fascinante, pois, pode nos ajudar a entender a mensagem do livro de Gênesis.
Culturas e povos diferentes contam suas histórias de modo distinto, é desta
forma que devemos nos aproximar deste texto.
2.1.3 – Este
Livro foi escrito em que época e tem apenas um autor?
Muitas pessoas leem este livro como
sendo a obra de um único autor, mas será mesmo? Há fatos registrados neste
livro que nos deixam perplexos, por exemplo, existem dois realtos da criação
(Gênesis 1.1-2.4ª; 2.4b-25); há relatos em que um patriarca mente sobre o seu
estado civil (Gênesis 21.10-20; 20.1-18; 26.1-11). Muitas pessoas tem sugerido
que este seja variações de um mesmo relato. E alguns eruditos têm assegurado
que Gênesis não é obra de um único autor; e assim, é fragmentação de documentos
copilados.
2.1.4 – O
que aprender com a comparação de Gênesis com outros relatos de outras culturas?
O
que Gênesis narra tem paralelos nas culturas do Oriente Próximo. Há muita
similaridade e no passado muitos eruditos enfatizaram essa similaridade a ponto
de propor que o livro de Gênesis é essencialmente mitológico no se refere aos
seus onze primeiros capítulos; todavia, a verdadeira análise por comparação
deve enfatizar as diferenças, pois, assim estaremos prontos para entender a
natureza literária de Gênesis.
2.2 – O
Segundo princípio devemos estudar o livro no seu contexto histórico.
Agora precisamos olhar para
o mundo em volta do qual Gênesis foi escrito. Pois, o contexto histórico
provocou a existência do livro. Neste princípio temos as seguintes perguntas:
2.2.1 – Quando o livro foi escrito?
A questão é precisar a data em que este documento bíblico
foi escrito. Esta pergunta depende da identificação autoral do livro do
Gênesis. Se acharmos o autor do livro poderemos com alguma segurança determinar
o período em que o livro foi escrito.
2.2.2 – Que informações Gênesis apresentam-nos sobre o
passado?
Algumas pessoas leem gênesis supondo que ele é uma
narrativa de todos os acontecimentos do passado. Outros pensam que Gênesis
narra em detalhe todo o passado. Ao ler o livro parece que estamos lendo uma
sequência de eventos, mas que devem ter demorado séculos para ocorrer; e há
fatos que não são narrados com detalhes, por exemplo, quem era a mulher de
Caim? Quanto tempo Adão e Eva eles viveram no Paraíso o livro não narra; mas Gênesis é um livro
histórico com sua forma peculiar de contar a história.
2.2.3 – Nosso conhecimento do mundo antigo em que o livro foi
escrito nos ajudar a compreendê-lo?
Os estudos arqueológico, culturais e sociológicos do
mundo antigo podem nos ajudar a compreender adequadamente a mensagem do Antigo
Testamento, e de modo particular, do livro de Gênesis.
2.3 – O Terceiro princípio hermenêutico: Precisamos refletir
sobre o ensino a respeito de Deus que livro apresenta.
Toda a narrativa de Gênesis é carregada de teologia. E
teologia é o estudo sobre Deus e os seus atributos.
2.3.1 – Como o livro descreve o ser de Deus?
Na análise que fazemos de Gênesis Deus é descrito como
sendo um Deus imanente que se envolve no processo da criação. Deus é visto como
uma pessoa e não uma força impessoal; como criador ele fez o homem conforme a
sua imagem (Gênesis 1.26-27); o primeiro livro da Bíblia descreve Deus tendo um
relacionamento profundo com o homem (Gênesis 3); este relacionamento é
estreitado por meio das alianças conforme
vemos estabelecido em textos como Gênesis 15 e 17 estas e outras realidades
teológicas são apresentadas sobre Deus.
2.3.2 – Como Gênesis se harmoniza com o restante das
Escrituras Sagradas?
Gênesis foi recebido pela Igreja Cristã como sendo o fundamento e o alicerce de tudo o que é construído posteriormente. Vejamos o quadro abaixo:
Longman lembra-nos
que o “nosso ponto de partida é o
reconhecimento de que Gênesis nos fornece o alicerce”. [10] Ou seja, o fundamento de
toda a teologia da Igreja está em Gênesis.
2.4 – Devemos Refletir sobre o ensino de Gênesis para os nossos dias
atuais.
O que Gênesis
significa para cada um de nós em nosso tempo atual? Algumas perguntas podem nos
ajudar a entender essa relação.
2.4.1 – Como o ensino de Gênesis se relaciona com a nossa vida
particular de modo redentivo?
Como
cristãos vivemos as realidades que Gênesis prometera cumprida no relacionamento
com a Igreja de Cristo Jesus. Qual é a relação da igreja com as alianças do
Antigo Testamento? O rito da circuncisão? E outros emblemas do livro de
Gênesis.
2.4.2 – Como não impor nossos pensamentos na leitura do Gênesis?
Primeiro
passo é a humildade – muitas de nossas leituras deste livro podem estar erradas
e devemos estar abertos a interpretações mais sólidas.
Devemos
avaliar a nossa interpretação com a catolicidade da Igreja de Cristo, ou seja,
aprender a Ler Gênesis com os pais da igreja, com outros cristãos pode ser
proveitoso para não cairmos na armadilha de impor as nossas ideias sobre o
texto sagrado.
Conclusão:
Estes princípios
são norteadores que deverão nos ajudar a estudar o Livro de Gênesis durante
este curso. Esperamos que cada um dos escritos nesta disciplina possam crescer
na graça e no conhecimento das verdades de Deus revelada em Gênesis.
*
O Autor é Ministro da Palavra pela Igreja Presbiteriana do Brasil. Atualmente é
pastor efetivo na Primeira Igreja
Presbiteriana de Piripiri – PI. Formou-se em Teologia Reformada pelo Seminário
Presbiteriano do Norte (SPN) em Recife – PE. Foi professor de Grego e Hebraico
no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil. É casado com Géssica Araújo Soares Nascimento
de França e pai do pequeno Lucas Luis
Nascimento de França.
[1]
Boa parte desta discussão eu apresentei
em minha monografia A Relevância do Antigo Testamento Para a Pregação Contemporânea.
Recife: Seminário Presbiteriano do Norte, 2009, PP.86 (Obra não Publicada)
[2]
LOGMAN III, Tremper. Como Ler Gênesis. Tradução:
Marcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2009, p.11.
[3]
CHAMPLIN, Russell Noramn. Enciclopédia
de Bíblia, Teologia e Filosofia, Volume
2. Tradução: João Marques Bentes. São Paulo: Hagnos, 2011, p.881.
[4]
ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução
à Hermenêutica Reformada – Correntes Históricas, pressuposições, Princípios e
Métodos Lingüísticos, Ananindeua: Knox Publicações, 2006, p.21.
[5]
VIRKLER, Hermenêutica – Princípios e
Processos de Interpretação Bíblica. [ hoje com o título de Hermenêutica Avançada] Tradutor: Luiz Aparecido Caruso, São Paulo:
Vida, 1987, p.9.
[6]
OSBORNE, Grent R. A Espiral Hermenêutica
– uma nova abordagem à interpretação bíblica. Tradução: Daniel Oliveira,
Robinson N. Malkomes, Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009, p.25.
[7]SILVA.
Cássio Murilo Dias. Metodologia de
Exegese Bíblica. São Paulo: Editora Paulinas, 2000, p.187-188.
[8] KAISER
JR., Walter & SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo:
Ed. Cultura Cristã, 2002, p. 276
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