sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Série: Aprendendo a Ler Gênesis - Os Princípios de Interpretação ao Livro de Gênesis.


Os Princípios de Interpretação ao Livro de Gênesis.
Prof. Rev. João Ricardo Ferreira de França.*
INTRODUÇÃO:
O Livro do Gênesis é um livro muito complexo para ser lido, e por vezes, muito negligenciado pela Igreja da atualidade. Isto se deve devido há muitas dificuldades que muito tem em considerar o Antigo Testamento.
As dificuldades estão concentradas em três áreas importantes: Hermenêutica, Exegese e Teologia Bíblica. No que se refere à ciência da interpretação bíblica (Hermenêutica) enfrentamos o problema do Dispensacionalismo que traz em seu bojo interpretativo a noção de uma distinção entre Lei (Antigo Testamento ) e Graça (Novo Testamento) e isso justifica porque boa parte dos estudos bíblicos são concentrados no Novo Testamento.
Na esfera da Exegese as línguas originais são completamente negligenciadas por muitos após se formarem e passarem a pastorear as igrejas, pois, acham que conhecer o grego e o hebraico não são importantes para a tarefa pastoral, e assim, abandonam o uso do hebraico, por exemplo, e assim, muito da pregação e ensino no Antigo Testamento é puramente superficial.
E o campo da Teologia Bíblica as coisas não são diferentes, pelo contrário, são gritantes e terríveis; pois, muitos desconhecem a mensagem unificadora dos dois testamentos e ficam flutuando em ideias sem fundamentação bíblia a respeitos dos temas que são discorridos nas páginas das Escrituras. .[1]
O nosso curso procurará mostrar a importância do livro do Gênesis seguindo estas três importantes áreas para a Teologia Cristã. E assim apresentando a relevância de Gênesis pra os nossos dias, sua atualidade e mensagem redentiva.

I – CONSIDERANDO O NOME DO LIVRO A SER ESTUDADO.
O que significa o nome “Gênesis”? Ora, o ser humano vive a procura de significado para a sua vida, essa busca é uma procura por sua identidade essência, existencial e espiritual – tudo se resume em uma única ideia: a busca pelas origens!
“A tradição Antiga reconheceu isso quando deu o nome a Gênesis”.[2] A palavra hebraica usada é “בְּרֵאשִׁ֖ית ”(Bereshit) que significa “No princípio” na versão grega do Antigo Testamento, conhecida como Septuaginta, a palavra foi vertida para “Genesij,”(Genesis).
Esse título dado já configura a primeira intenção autoral que é a de narrar a origem de todas as coisas conforme foram trazidas a existência. O livro do Gênesis constitui “a primeira seção da Torá ou livro da lei”[3]
II – PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS PARA O LIVRO DO GÊNESIS.
Para entrarmos no mundo de Gênesis são necessários termos princípios interpretativos para chegarmos à intenção autoral. Paulo Anglada nos oferece uma definição interessante desta disciplina:
 O termo hermenêutica deriva-se do verbo grego e`rmhneu,w (hermeneuo), ‘eu traduzo’, ‘interpreto’, ‘significo’ Ermhneu,w (hermeneuo), e os termos correlatos e`rmhnei,a (hermeneía) , ‘interpretação’; diermhneu,w(diermeneuo), ‘interpreto’, ‘significo’; meqaermhneu,w / omai (methaermeneuo ou methaermeneuomai), ‘interpreto’, ‘significo’; e`rmhneuth,j (hermeneutes), ‘intérprete’; e dusermh,neutoj (dysermeneutos), ‘de difícil interpretação’[..][4]
Outro escritor sumariza para nós uma definição básica de hermenêutica:
em seu significado técnico, muitas vezes se define a hermenêutica  como a ciência e arte de interpretação bíblica. Considera-se a hermenêutica como ciência porque ela tem normas, ou regras, e essas podem ser classificadas num sistema ordenado. É considerada como arte porque a comunicação é flexível, e, portanto uma aplicação mecânica e rígida das regras às vezes distorcerá o verdadeiro sentido de uma comunicação[5]
A “definição tradicional da palavra é ‘ciência que define os princípios ou métodos para a interpretação do significado dado por um autor especifico’”.[6]
            Estamos aqui para reconhecermos estes princípios na interpretação de um livro bíblico como Gênesis.
2.1 – O primeiro Princípio é reconhecer a natureza literária deste livro.
            Este é o passo mais importante no processo de interpretação de um livro sagrado, pois, é deste princípio que nasce as perguntas chaves para a penetração no sentido da intenção do autor do texto. Que perguntas são essas?
2.1.1  -  Que tipo de Literatura é o livro do Gênesis?
            A bíblia é marcada pela existência de variação literária. Alguém já disse que “ler é mais importante que estudar”, esta é de fato uma observação passível de avaliação.
Uma leitura correta de qualquer texto bíblico levará, antes de mais nada, a fazer algumas distinções, por vezes, espontâneas: Estamos diante de um texto em prosa ou em poesia? Trata-se de um relato ou de um discurso? Com isso, estamos praticando um princípio de distinção entre Gêneros Literários. As respostas a tais perguntas nos oferecem a orientação elementar para classificarmos o texto.[7]
            Reconhecendo o gênero literário de uma passagem isso pode nos levar uma forma de como ler o livro do Gênesis. O que é Gênero Literário? O Gênero é “um tipo de composição literária que pode ser distinguido por aspectos como o conteúdo de uma forma específica”[8]  Longman nos mostra que faz muita diferença se encararmos Gênesis como “mito, parábola, história, lenda ou mesmo uma combinação desses outros gêneros”[9]
            Os eruditos classificam Gênesis como sendo um texto pertencente a uma narrativa histórica. Consideraremos a questão do gênero de Gênesis mais adiante em um estudo específico.
2.1.2 – Como os Antigos hebreus contavam a história?
            Quando nos aproximamos do texto de Gênesis sabemos que estamos lendo um texto excepcional, pois, o narrador conhece as intenções de Deus, a intenção do coração dos homens;  e, isso é fascinante, pois, pode nos ajudar a entender a mensagem do livro de Gênesis. Culturas e povos diferentes contam suas histórias de modo distinto, é desta forma que devemos nos aproximar deste texto.
2.1.3 – Este Livro foi escrito em que época e tem apenas um autor?
Muitas pessoas leem este livro como sendo a obra de um único autor, mas será mesmo? Há fatos registrados neste livro que nos deixam perplexos, por exemplo, existem dois realtos da criação (Gênesis 1.1-2.4ª; 2.4b-25); há relatos em que um patriarca mente sobre o seu estado civil (Gênesis 21.10-20; 20.1-18; 26.1-11). Muitas pessoas tem sugerido que este seja variações de um mesmo relato. E alguns eruditos têm assegurado que Gênesis não é obra de um único autor; e assim, é fragmentação de documentos copilados.
2.1.4 – O que aprender com a comparação de Gênesis com outros relatos de outras culturas?
            O que Gênesis narra tem paralelos nas culturas do Oriente Próximo. Há muita similaridade e no passado muitos eruditos enfatizaram essa similaridade a ponto de propor que o livro de Gênesis é essencialmente mitológico no se refere aos seus onze primeiros capítulos; todavia, a verdadeira análise por comparação deve enfatizar as diferenças, pois, assim estaremos prontos para entender a natureza literária de Gênesis.
2.2 – O Segundo princípio devemos estudar o livro no seu contexto histórico.
            Agora precisamos olhar para o mundo em volta do qual Gênesis foi escrito. Pois, o contexto histórico provocou a existência do livro. Neste princípio temos as seguintes perguntas:

2.2.1 – Quando o livro foi escrito?
            A questão é precisar a data em que este documento bíblico foi escrito. Esta pergunta depende da identificação autoral do livro do Gênesis. Se acharmos o autor do livro poderemos com alguma segurança determinar o período em que o livro foi escrito.
2.2.2 – Que informações Gênesis apresentam-nos sobre o passado?
            Algumas pessoas leem gênesis supondo que ele é uma narrativa de todos os acontecimentos do passado. Outros pensam que Gênesis narra em detalhe todo o passado. Ao ler o livro parece que estamos lendo uma sequência de eventos, mas que devem ter demorado séculos para ocorrer; e há fatos que não são narrados com detalhes, por exemplo, quem era a mulher de Caim? Quanto tempo Adão e Eva eles viveram no Paraíso  o livro não narra; mas Gênesis é um livro histórico com sua forma peculiar de contar a história.
2.2.3 – Nosso conhecimento do mundo antigo em que o livro foi escrito nos ajudar a compreendê-lo?
            Os estudos arqueológico, culturais e sociológicos do mundo antigo podem nos ajudar a compreender adequadamente a mensagem do Antigo Testamento, e de modo particular, do livro de Gênesis.
2.3 – O Terceiro princípio hermenêutico: Precisamos refletir sobre o ensino a respeito de Deus que livro apresenta.
            Toda a narrativa de Gênesis é carregada de teologia. E teologia é o estudo sobre Deus e os seus atributos.
2.3.1 – Como o livro descreve o ser de Deus?
            Na análise que fazemos de Gênesis Deus é descrito como sendo um Deus imanente que se envolve no processo da criação. Deus é visto como uma pessoa e não uma força impessoal; como criador ele fez o homem conforme a sua imagem (Gênesis 1.26-27); o primeiro livro da Bíblia descreve Deus tendo um relacionamento profundo com o homem (Gênesis 3); este relacionamento é estreitado por meio das alianças conforme vemos estabelecido em textos como Gênesis 15 e 17 estas e outras realidades teológicas são apresentadas sobre Deus.
2.3.2 – Como Gênesis se harmoniza com o restante das Escrituras Sagradas?








            Gênesis foi recebido pela Igreja Cristã como sendo o fundamento e o alicerce de tudo o que é construído posteriormente. Vejamos o quadro abaixo:




Longman lembra-nos  que o “nosso ponto de partida é o reconhecimento de que Gênesis nos fornece o alicerce”. [10] Ou seja, o fundamento de toda a teologia da Igreja está em Gênesis.
2.4 – Devemos Refletir sobre o ensino de Gênesis para os nossos dias atuais.
            O que Gênesis significa para cada um de nós em nosso tempo atual? Algumas perguntas podem nos ajudar a entender essa relação.
2.4.1 – Como o ensino de Gênesis se relaciona com a nossa vida particular de modo redentivo?
            Como cristãos vivemos as realidades que Gênesis prometera cumprida no relacionamento com a Igreja de Cristo Jesus. Qual é a relação da igreja com as alianças do Antigo Testamento? O rito da circuncisão? E outros emblemas do livro de Gênesis.
2.4.2 – Como não impor nossos pensamentos na leitura do Gênesis?
            Primeiro passo é a humildade – muitas de nossas leituras deste livro podem estar erradas e devemos estar abertos a interpretações mais sólidas.
            Devemos avaliar a nossa interpretação com a catolicidade da Igreja de Cristo, ou seja, aprender a Ler Gênesis com os pais da igreja, com outros cristãos pode ser proveitoso para não cairmos na armadilha de impor as nossas ideias sobre o texto sagrado.
Conclusão:
            Estes princípios são norteadores que deverão nos ajudar a estudar o Livro de Gênesis durante este curso. Esperamos que cada um dos escritos nesta disciplina possam crescer na graça e no conhecimento das verdades de Deus revelada em Gênesis.



* O Autor é Ministro da Palavra pela Igreja Presbiteriana do Brasil. Atualmente é pastor  efetivo na Primeira Igreja Presbiteriana de Piripiri – PI. Formou-se em Teologia Reformada pelo Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) em Recife – PE. Foi professor de Grego e Hebraico no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil.  É casado com Géssica Araújo Soares Nascimento de França e pai do pequeno  Lucas Luis Nascimento de França.
[1] Boa parte desta discussão eu  apresentei em minha monografia  A Relevância do Antigo Testamento Para a Pregação Contemporânea. Recife: Seminário Presbiteriano do Norte, 2009, PP.86 (Obra não Publicada)
[2] LOGMAN III, Tremper. Como Ler Gênesis. Tradução: Marcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2009, p.11.
[3] CHAMPLIN, Russell Noramn. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia,  Volume 2. Tradução: João Marques Bentes. São Paulo: Hagnos, 2011, p.881.
[4] ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução à Hermenêutica Reformada – Correntes Históricas, pressuposições, Princípios e Métodos Lingüísticos, Ananindeua: Knox Publicações, 2006, p.21.
[5] VIRKLER, Hermenêutica – Princípios e Processos de Interpretação Bíblica. [ hoje com o título  de Hermenêutica Avançada]  Tradutor: Luiz Aparecido Caruso, São Paulo: Vida, 1987, p.9.
[6] OSBORNE, Grent R. A Espiral Hermenêutica – uma nova abordagem à interpretação bíblica. Tradução: Daniel Oliveira, Robinson N. Malkomes, Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009, p.25.
[7]SILVA. Cássio Murilo Dias. Metodologia de Exegese Bíblica. São Paulo: Editora  Paulinas, 2000, p.187-188.
[8] KAISER JR., Walter & SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2002, p. 276
[9] LOGMAN III, Tremper. Como Ler Gênesis. Tradução: Marcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2009, p.11.
[10] LOGMAN III, Tremper. Como Ler Gênesis. Tradução: Marcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2009, p.33

Nenhum comentário:

Postar um comentário